ESCRITOS DAS HORAS VAGAS

Friday, February 03, 2006

A HONRA DA PRINCESA DE HARUM

A HONRA DA PRINCESA DE HARUM
CONTO PUBLICADO NA DEUTSCHE WELLEANTENA DA AMIZADE EM 21.03.002

Já Eça de Queirós, esse ficcionista que tal como reza uma inscrição na base de uma estátua sua próximo do Camões em Lisboa “Sob o manto diáfano da fantasia o odor forte da verdade”, nos fala do engenheiro de minas que casou com a Luísa do seu romance “O Primo Basílio” que costumava ir de comboio até ao Alentejo no século passado tendo para isso, claro, que atravessar o Tejo num barco a vapor.
Também eu já fui muitas vezes de comboio para o Algarve e embora a linha do sul não tivesse, pelo menos há uns vinte anos atrás, uma grande evolução o que é certo é que era o melhor transporte já que a auto estrada Lisboa - Algarve não passava de planos repetidos no papel.
O Rei de Portugal foi substituído em 1910, como se sabe, pelo Presidente da República, na altura o Dr. Teófilo de Braga. Mas o comboio no seu percurso também era rei, rei incontestado, o “monarca” do progresso que transformou descampados em lugares habitados, cidadezinhas pacatas em movimentadas urbes. Isto, claro, no mundo civilizado. E, embora com o nosso atraso costumeiro, também tivemos o nosso comboio que embora já não seja rei continua a marcar posição em pleno século XXI em que há velocidades supersónicas e a comodidade rivaliza com a velocidade. Bem, mas vem tudo isto a propósito de lhes contar uma lenda maravilhosa que ouvi a um ancião próximo do Alvor e o comboio é que me levou lá.
Já que gostava de passear pelo campo e havia muitas figueiras por ali abandonadas, ia provando os figos que eram saborosíssimos. Se bem me lembro parece – me que uma das tais árvores de fruto eram desse idoso que reparando na minha hesitação se apressou a dizer “comam à vontade” e nós comemos. Palavra puxa palavra até que reparei nuns arbustos que por ali havia e disse espontaneamente “Que flores tão bonitas!”. “São sim senhor", apressou – se a replicar o simpático senhor. “É claro que são” voltei eu a dizer levando a coisa para a galhofa. “Mas o que o senhor não sabe é a história destas flores!” “Pois é claro que não sei, se eu não sou do Algarve! Mas está – me a espicaçar a curiosidade, já daqui não saio de sem me contar.”
Contente por ter com quem conversar começou ele então a sua narração.
"Como sabe concerteza da história pois o senhor deve ter mais conhecimentos do que eu a quem o meu pai em lugar de mandar à escola fazia ir sempre com umas cabritas que era o que valia lá em casa por causa do leite, como deve saber, o nosso rei que conquistou Faro e que não me lembro do nome , “D. Afonso III”, repliquei – lhe, “Pois bem, esse tal D. Afonso encontrava – se acampado com as suas tropas perto da fortaleza de Harum que os Portugueses apelidavam de Santa Maria do Algarve, hoje cidade de Faro e como o senhor também deve de saber capital desta nossa querida província .”
Como é sabido, nesse tempo (séc. XIII) Faro (em árabe Harum) pertencia aos sarracenos que se estiverem lembrados da vossa história da instrução primária penetraram na Península em 711 comandados por uma tal Alarico que tomou partido nas desavenças dos legítimos herdeiros do trono com o usurpador, o rei Rodrigo, e por cá permaneceram como donos e senhores até à entrega das chaves de Granada pelo rei mouro aos reis católicos de Espanha Fernando e Isabel.
Faro era o último reduto mouro no Algarve e, portanto, de Portugal. E o homem continuou. “Encontrava – se um tal D. Aboim, mordomo – mor de El – Rei, sozinho no acampamento, pois o resto do exército encontrava - se a fazer exercícios, quando vê chegar um séquito de guerreiros agitando uma bandeira branca que facilmente divisou serem sarracenos. Pensou que seria alguma missão mas o mais estranho era o comandante da pequena força ser uma mulher que não perdeu tempo, apeou – se junto do cavaleiro português e disse com altivez:
- Quero falar com El – Rei.
- Mas quem sois vós para assim tão peremptoriamente fazer exigências e, para além disso, uma exigência dessas que eu não considero nada a propósito?
- Sou a princesa Allandra filha do comandante da praça de Harum, o príncipe Allandro e venho em missão de paz.
-Está bem, dizei então…
-Sois o mordomo - mor do rei de Portugal, não sois?
-Sim, cavaleiro de Portugal.
- Pois bem, o vosso rei é poderoso, tem um grande exército. Ambos sabemos o sem número de pessoas que têm morrido por golpes dos seus acólitos. Os nossos guerreiros estão cansados e, para além disso, não são em número suficiente para se oporem ao vosso exército. Vai morrer muita gente. Eu queria propor ao vosso rei a entrega da fortaleza de sem derramamento de sangue, inclusivamente de muitos velhos, mulheres e crianças inocentes, não falando já nos moçárabes que praticam a religião de Cristo por tolerância nossa mas que por os trajes os confundirem costumam ser parte da carnificina. Nem que para isso tenha de sacrificar a minha honra!...
-E vosso pai entregará a praça de sem resistência?
- Sem dúvida.
- Pois bem, tendes a palavra do mordomo – mor, cavaleiro de Portugal e para isso não precisareis de sacrificar a vossa honra. Se o que dizeis é verdade eu falarei com El – Rei D. Afonso e não haverá derramamento de sangue.
- Se a palavra de um cavaleiro de Portugal valer tanto como a de um sarraceno, então a praça será entregue de sem derramamento de sangue.
E a princesa Allandra retirou – se para Harum.
Quando o rei estava prestes a avançar e perguntou se alguém tinha alguma coisa a dizer antes de desencadeado o ataque o mordomo – mor adiantou – se e falou assim:
- Majestade, podeis obter a fortaleza de Harum de sem resistência.
- De sem resistência?...
- Sim Majestade!
E contou o que se passara do seu encontro cm a princesa Allandra. Alguns nobres, sedentos do sangue dos "cães infiéis", ainda fizeram algumas objecções. Mas o rei e o mordomo - mor conseguiram convencê- los.
As chaves da fortaleza foram entregues de sem qualquer oposição e de sem derramamento de sangue e os mouros partiram para África ficando todos aqueles que quisessem pois era sabido que eram muito bons agricultores com conhecimentos que poderiam transmitir à nossa gente.
À saída D. Aboim cruzou – se com a princesa Allandra e pegou num ramo de flores de uma planta de que não conhecia o nome e, com os olhos marejados de lágrimas disse:
- Adeus, princesa Allandra.
E estendeu – lhe o ramo de flores.
- Como se chamam estas flores? , perguntou a princesa.
- São flores de sem nome porque não lho conheço mas, de hoje em diante esta flor passará a chamar – se “allandra”.
É esta a lenda da princesa de Harum cujo nome Allandra veio enriquecer o nosso vocabulário florígero pois que houve uma flor que fora homenageada com o nome da princesa de inexcedível beleza que estava pronta a sacrificar sua honra para salvar a vida aos seus súbditos.
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▪▪▪ FIM ▪▪▪
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A SEGUIR: